Uma pena que as pessoas tem preguiça de ler textos longos e depois saem compartilhando informações mentirosas e jogando ao vento, só pela chamada da matéria, sem nem ao menos ler.
A quem mais interessa que a população acredite que a Previdência é deficitária?
Leiam e entendam...
QUAL É A PROPOSTA DA ESQUERDA PARA O SUPOSTO PROBLEMA PREVIDENCIÁRIO? UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE
Hoje à tarde, estava discutindo com um colega que me questionou sobre quais seriam as propostas da esquerda para o suposto déficit na previdência. Vou sintetizar aqui o bate-papo.
A primeira coisa que fiz foi limpar o terreno do debate. O debate do déficit, antes de tudo, é um falso debate, é ideologia pura, como muito bem demonstram as dezenas de trabalhos da Professora Denise Gentill.
Se o economista se propor a advogar a favor da reforma da previdência, ele é capaz de encontrar o déficit que bem entender. Por exemplo: se o "advogado" da reforma da previdência (no caso, advogado dos bancos) calcular o déficit considerando apenas as contribuições dos trabalhadores para a previdência - ou seja, subtraindo tudo que o estado gastou com previdência de tudo que arrecadou dos trabalhadores para a previdência (como se o nosso sistema fosse uma mera capitalização, como acontece no Chile, onde a população idosa está passando pela mais séria crise da história do país, chegando ao ponto de 90% dos aposentados receberem algo em torno da metade do salário mínimo) - encontraria um déficit monstruoso. Se for menos desonesto e calcular as contribuições do patrão e dos trabalhadores, irá achar um déficit um pouco menor. Já se for fiel à Constituição Cidadã de 1988 - percebam que aqui a carreira de advogado da previdência já foi por água abaixo – irá, obviamente, levar em consideração não só as contribuições patronais e de trabalhadores, mas, também, todas as outras formas de arrecadação constitucionalmente estabelecidas pelo nosso REGIME SOLIDÁRIO materializado pela Constituição de 1988. Percebam o quanto de ideologia tem nesse debate.
Indo mais longe, em um regime solidário, como é o nosso, não faz o mínimo sentido se falar em déficit. É esquizofrenia pura. Como o Professor Oreiro (UNB) comentou recentemente, se esse debate fizesse sentido, a Nova Zelândia seria o caso mais assustador de déficit previdenciário do mundo, já que por lá não há contribuições específicas para esse tipo de gasto. No nosso caso, aqui no Brasil, podemos, por exemplo, chamar o tal déficit de contribuição do Estado (conjunto da sociedade) para a previdência. Simples assim: a diferença entre os gastos com previdência e a arrecadação dada pela tributação sobre patrão e trabalhadores seria "a contribuição do Estado".
Falar em déficit na previdência é tão esquizofrênico quanto falar em déficit na Educação ou na Saúde. Se bem que é melhor eu não dar essas ideias por aqui, vai que algum economista tem a brilhante ideia de calcular o "déficit" na educação.
O verdadeiro debate, esse sim deve ser feito, é sobre o quanto da riqueza produzida pelo conjunto da sociedade desejamos destinar para os idosos e para aqueles que não podem mais vender a sua força de trabalho para sobreviver. É um debate ideológico, envolve, antes de tudo, luta de classes. Não é mero debate técnico! Será que destinar 8% do PIB – como fazemos hoje - para sustentar os nossos idosos através do Regime Geral da Previdência é muito?
Só a título de comparação, destinamos, em 2015, 8,46% do PIB ao pagamento de juros. Este pagamento é decorrente do maior programa assistencialista do Governo Brasileiro: o bolsa rentista, que em 2015 foi quase 1700% maior que o total gasto com o bolsa família que atende a 45 milhões de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social.
Colocado o debate no seu verdadeiro lugar, ou seja, no quanto da carga tributária queremos destinar aos idosos que construíram toda a riqueza desse país, os economistas mais sérios alegam que a manutenção da previdência – tudo o mais constante – acabará por elevar significativamente a nossa carga tributária. Este argumento tem grande apelo popular. Não é raro em conversas com gente interessada em economia ouvirmos que a carga tributária do Brasil é a maior ou uma das maiores do mundo. Não é.
Temos que desmontar mais uma premissa, essa ainda mais complexa que o mito do déficit, já que tem aderência à realidade concreta do povão: a de que o problema da carga tributária no Brasil é o seu tamanho – “a maior do mundo”.
Não, a carga tributária brasileira está muito longe de estar entre as maiores do mundo. No Brasil, a carga tributária está em 32,42% do PIB. Só dos países da OCDE (países desenvolvidos), há mais de duas dezenas com carga tributária superior a do Brasil. Fora isso, também estamos abaixo da média da OCDE, que chegou a 35,3% em 2014. Indo além, apesar da argumentação recorrente dos milionários brasileiros, o Brasil, dentre todos os países da OCDE, é o que menos tributa renda, lucro e ganho do capital! Enquanto na Dinamarca a tributação sobre rendas do capital chega a 33,2% do PIB, no Brasil é de apenas 5,85% do PIB. Isso significa que se tem tanta gente pagando pouco imposto, alguém tá pagando muito imposto. Então, meus caros, adivinhem quem está pagando essa conta. É, isso mesmo que você pensou: o povão. Ao passo que o Brasil é o que menos tributa a renda dos milionários, na lista de países em questão é um dos que mais tributa os pobres. Os nossos impostos, ao invés de recaírem sobre heranças, sobre os lucros e dividendos distribuídos aos acionistas e sobre as grandes fortunas, incide, principalmente, sobre o nosso arroz e feijão de cada dia. São impostos indiretos. Impostos pagos pelo trabalhador. O nosso maior problema não é o tamanho da carga, é quem paga a conta: o trabalhador, que sustenta uma das maiores cargas sobre consumo do mundo.
Só para ficar claro o quanto nossa carga tributária é uma grande aberração: vamos supor que Dona Maria receba R$181,98 do Bolsa Família. Ela vai pagar de impostos, ao comprar seu arroz, feijão, carne, e produtos de limpeza, uns 30% de seus escassos recursos. Já Joesley Batista, o bilionário e corrupto da JBS, recebeu mais de R$ 103 milhões em distribuição de lucros da sua empresa em um ano e pagou apenas 0,3% de imposto de renda em 2016. Isso mesmo 0,3%. Dona Maria paga 30%. Joesley, paga 100 vezes menos¹.
Uma reforma que tire o peso dos impostos da Dona Maria e coloque nas costas dos bilionários é urgente.
A argumentação acima desmonta os argumentos neoliberais sobre a carga tributária brasileira: a nossa tributação é demasiadamente alta para os mais pobres e extremamente branda para bilionários como Joesley Batista e seus amigos que, por sinal, defendem a reforma da previdência como a única saída para o Brasil.
Voltando ao tema previdência, mostramos que há sim espaço para uma elevação da carga tributária - se isso for necessário para a manutenção do regime previdenciário atual. Porém, antes de crescer, ela deve ser radicalmente redistribuída. Só que redistribuir radicalmente a carga tributária – essa sim a verdadeira jabuticaba tupiniquim – não é do interesse do Deus Mercado. Para o mercado é razoável que Joesley Batista continue pagando 100 vezes menos impostos em proporção à sua renda que um beneficiário do bolsa-família. Para o mercado, o que não é razoável é um pedreiro que, após trabalhar a vida sem carteira assinada levantando as casas que moramos e sedimentando as estradas desse país, se aposente aos 65 anos com um mísero salário mínimo. E olha que esse pedreiro, mesmo “sem contribuir para a previdência”, pagou é muito imposto em proporção ao pouco que ganhou na sua vida. Coisas do Deus Mercado.
Enfim, para o texto não ficar ainda mais longo, o crescimento da carga tributária – muito obviamente – pode ser amenizado, também, pelo crescimento do PIB. Acontece que o Brasil, que foi o país que mais cresceu no mundo entre as décadas de 1930 e 1970, desde que adotou o receituário neoliberal de austeridade fiscal, abertura comercial e financeira, desregulamentação do mercado de trabalho, privatizações e desnacionalização das nossas empresas, passou a ter crescimento pífio e desindustrialização por três décadas².
Após ler esse texto você continua achando que o problema do Brasil é a previdência do seu João que trabalha na construção civil ou o bolsa família da Dona Maria?
Observações:
¹(considerando que Joesley consome uma parte irrisória de sua renda, os impostos sobre consumo, pagos por ele, em termos de proporcionalidade à renda auferida em um ano, são pouco significantes)
² ainda deveríamos considerar o importante impacto dos benefícios previdenciários na demanda da economia, ou seja, o elevado efeito multiplicador. Os benefícios geram demanda que, por um lado, estimulam a produção e, de outro, aumentam a própria arrecadação tributária do governo.
David Deccache